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Família de Maria da Penha sente a dor da chibata até hoje

  • Foto do escritor: Eduardo Andrade
    Eduardo Andrade
  • 26 de jun. de 2022
  • 3 min de leitura

Família da doméstica Maria da Penha Lisboa guarda trauma que ultrapassa gerações. Ela contou que os gritos de dor de seus antepassados, produzidos pelas chibatadas no tempo da escravidão, são ouvidos até hoje em sua cabeça:


- Eu lembro como se fosse ontem quando me contaram, minha bisavó contou que pegaram um rapaz que tinha tentado fugir e chamaram o seu pai para castigá-lo, o pai se recusou e então os dois foram brutalmente castigados com a chibata, uma gritaria e um choro que nunca saiu da cabeça da minha bisavó, ela dizia que escutava os gritos na sua cabeça.


As feridas da escravidão são eternas, traumas e medos que refletem na sociedade até hoje são empecilhos para muitos não conseguirem seguir em frente. Maria da Penha, doméstica de 62 anos é bisneta de Dona Jaciara, ama de leite na época da escravização. “Minha bisavó nasceu e cresceu na senzala e logo após ter seu primeiro filho se tornou ama de leite na Casa Grande, sendo responsável por cuidar dos filhos de Deus patrões e sempre passava pra gente que apesar de ter vivido ‘pouco’ na escravidão , ela conta que foi o pior momento que ela já passou na vida.”, contou a doméstica.


A Lei do Ventre Livre, assinada pela Princesa Isabel em 1871, fez parte da abolição lenta e gradual. Antes de essa lei existir, os filhos dos escravos até sete anos ajudavam em trabalhos menores e após atingir a maturidade, começavam a executar trabalhos mais árduos. Até hoje, netos, bisnetos de escravos carregam consigo as histórias do seu passado.


Criada no Morro Dona Marta, Botafogo em uma família muito humilde, Penha -como é conhecida por todos na comunidade- é empregada doméstica há mais de 45 anos e apesar das dificuldades tem muito orgulho de sua história. “Eu não nasci rica e nem branca, mas aprendi desde muito nova a batalhar para sobreviver, comecei ajudando minha mãe a lavar chão e nunca parei e não me envergonho disso, nunca roubei e nem precisei, tenho dois filhos criados e três netos e tenho muito orgulho de ser bisneta de uma mulher forte que batalhou muito para que eu possa respirar livremente.”, destacou emocionada.


Assim como Maria da Penha, muitos netos, bisnetos, tataranetos carregam consigo o preconceito que sofrem e sofreram durante toda sua vida. Os negros no Brasil são a maioria e mesmo assim são os que mais morrem, os mais desempregados, os mais falsos injustiçados, os que possuem os trabalhos de mais baixa renda, porque devido ao período de escravização o mundo viu o negro como desvalorizado e não capacitado para exercer as melhores funções que a vida pode oferecer. “Passei a minha vida inteira com medo de tentar. Já ouvi de muita gente que eu merecia era lavar privada, já fui revistada injustamente, além dos diversos comentários racistas e olhares desconfiados que recebemos só de pisar fora de casa.”, completou a idosa de 62 anos.


Sendo assim, escravidão ainda está presente nos dias de hoje, na sociedade e também nas marcas que seus descendentes carregam a diante, na maioria das vezes como marcas de luta e levando como motivação para vencer na vida e enchendo a boca para defender o seu orgulho negro.


Reportagem de Eduardo Andrade


Maria da Penha (dir) e seus filhos em festa de aniversário: gritos de dor ecoam até hoje em sua cabeça

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