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União têm um ano para cumprir condições da Unesco para manter Cais do Valongo como patrimônio

Foto do escritor: Elis BarretoElis Barreto

Governo brasileiro deve entregar em 2023 um relatório sobre as exigências cumpridas, mas até o momento, nenhuma foi efetuada


Se o governo brasileiro não cumprir, em um ano, as exigências firmadas com a Unesco, o Cais do Valongo, por onde passaram mais de quatro milhões de africanos escravizados durante o século 19, pode perder a titularidade de Patrimônio Histórico da Humanidade. Isso porque entre as principais exigências para manutenção da titularidade do local, que foi tombado em 2017, estavam a criação de um comitê gestor e um plano de gestão e conservação do local, e nada foi cumprido até o momento.

O Cais do Valongo, localizado no Rio de Janeiro, foi o principal porto para recebimentos de escravizados durante o período do regime escravocrata no Brasil. Segundo historiadores, estima-se que em 40 anos, mais de um milhão de africanos nesta condição entraram no continente pelo Cais, tornando o local o principal ponto de entrada de escravizados das Américas. O local foi descoberto em 2011, durante as obras da prefeitura do Rio de Janeiro, para a construção da área conhecida hoje como Porto Maravilha. Em uma ação civil pública, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) pedem a Justiça que o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Cultural (Iphan) recrie o comitê gestor e trabalhe em um plano de conservação do patrimônio. Isso porque, de acordo com a defensora Rita de Oliveira, no ano que vem o órgão deverá apresentar um relatório sobre o andamento das ações firmadas à Unesco.


“A apresentação deste relatório já está comprometida, porque por mais que o Brasil e os órgãos públicos se esforcem para apresentar esse plano, não vai dar tempo de cumprir todas as ações. Vai ser um relatório já defasado, e à medida que tempo passa, mais atrasado o documento vai ficar, em relação as ações que foram assumidas.”, afirma a defensora. Rita completa que a expectativa é que se consiga mitigar o atraso, para apresentar para a UNESCO, no próximo ano, um plano de gestão com ações minimamente programadas, e um cronograma, como foi inicialmente decidido pelo juiz. As medidas já poderiam estar sendo cumpridas, mas um desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) concedeu uma liminar ao IPHAN, e suspendeu a determinação do magistrado para que as atividades iniciassem.


“Nossa expectativa é reverter essa decisão, e também conseguir o julgamento final do processo para que o Brasil cumpra minimamente as obrigações já dando início a algumas ações”, afirma. O Comitê Gestor do Cais do Valongo chegou a ser criado em 2018, e se reuniu duas vezes, mas foi extinto pelo Decreto 9.759 de 2019, do presidente Jair Bolsonaro (PL). O “revogaço” do presidente extinguiu uma série de colegiados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, que incluem grupos como comitês e comissões, instituídos via decreto, ato normativo inferior ao decreto e ato de outro colegiado.


No dia dez de maio deste ano, a DPU, o MPF e outros especialistas fizeram uma inspeção no Docas Dom Pedro II e no próprio Cais do Valongo, para verificar as condições do bem e de todos os artefatos históricos que foram encontrados na escavação que deu origem ao local. Durante a visita, foram encontrados mais de mil caixas em contêineres com materiais que deveriam compor um museu do Cais do Valongo.


O antropólogo Milton Guran, que coordenou o grupo encarregado pelo Dossiê de Candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio Mundial da Unesco, explica que o Cais é o mais importante sítio arqueológico ligado à diáspora africana fora da África, ou seja, a imigração forçada de africanos durante o período escravocrata.


“Durante o regime escravocrata, 2,6 milhões de escravizados entraram no Brasil pelos portos do Rio de Janeiro, isso faz do estado o maior porto escravagista da história da humanidade. A estimativa é que 1 milhão de africanos escravizados entraram só pelo Valongo”, disse Guran.


A reportagem entrou em contato com o Iphan para questionar sobre as medidas que estavam sendo tomadas para a conservação do Cais. Em nota, o órgão afirmou que “os compromissos assumidos pelo Brasil vêm sendo realizados, especialmente quanto à sua proteção, conservação e gestão”.


“Ao Iphan, cabe o acompanhamento, monitoramento e orientação técnica para as macro ações planejadas e pactuadas entre os diversos atores envolvidos com a gestão do sítio”, completa.

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