Yolanda Ferreira, submetida ao trabalho análogo à escravidão por 50 anos - Foto: Reprodução/TV Tribuna
Os casos registrados de trabalhos análogos à escravidão têm mudado de perfil nos últimos anos. Apesar de historicamente, a maioria dos resgatados serem trabalhadores rurais, a partir de 2017, as denúncias de trabalho escravo urbano cresceram significativamente, principalmente em relação a empregadas domésticas escravizadas, como no caso de Yolanda Ferreira, de 89 anos, que foi mantida nessa situação por uma família de Santos, em São Paulo, entre 1970 e 2020.
De acordo com Juliane Mombelli, procuradora do trabalho, vice-coordenadora da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - Conaete, no Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio de Janeiro, a condição das domésticas vítimas de trabalho escravo é bem delicada.
- Essas mulheres estão em uma situação de vulnerabilidade muito grande, porque foram alijadas do convívio da família e da sociedade em geral por muitos anos. Elas apenas trabalham e se sentem completamente isoladas e invisíveis aos olhos dos patrões. É vital mantermos o sigilo no início dos resgates, por essa razão as ocorrências só são divulgadas quando está tudo regularizado e fiscalizado.
O isolamento social forçado ao qual algumas domésticas escravizadas foram submetidas durou tanto tempo, que elas apresentam certa resistência ao resgate, pois acham que não terão para onde ir. Portanto, é fundamental que a reintegração dessas mulheres à sociedade seja feita com o maior cuidado possível.
Os resgatados de trabalhos análogos à escravidão são encaminhados para programas sociais e instituições que farão o acolhimento necessário, com a participação de psicólogos, médicos e assistentes sociais, antes que eles possam finalmente ser encaminhados a suas famílias.
O projeto Ação Integrada, fundado em 2014 através de uma parceria do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro com a Cáritas Arquidiocesana do estado, é um dos responsáveis por auxiliar as vítimas a readquirirem suas cidadanias, ajudando-as a tirar os documentos necessários e fornecendo cursos de capacitação para reinseri-las no mercado de trabalho formal. A atividade é financiada pela verba arrecadada com ações civis públicas, pagas por empresas condenadas em casos de danos morais.
Para Juliane, a existência do projeto representa uma abordagem diferente do MPT.
- Geralmente o Ministério Público do Trabalho é repressivo, cuidando somente de corrigir irregularidades, mas o Ação Integrada é uma atuação nova, promocional, e que desenvolve uma política pública.
O MPT, que é o principal órgão atuante no combate ao trabalho análogo a escravidão no Brasil há 25 anos, teve sua atuação intensificada nos últimos anos devido à visibilidade que o tema tem recebido, pois além de compreender a existência do trabalho escravo contemporâneo, a sociedade tem conhecimento dos canais de denúncia, gerando uma maior mobilização das instituições.
Conforme dados da plataforma SmartLab, iniciativa conjunta do MPT com a Organização Internacional do Trabalho, de maio de 1995 até o último ano, a quantidade de trabalhadores libertados ultrapassa os 57 mil. Em 2021, o número de resgatados (1.937) foi o mais alto desde os 2.808 do ano de 2013. Isso pode ser explicado pelo fato de que a maioria das denúncias realizadas em 2020 puderam ser investigadas apenas no ano seguinte por conta da pandemia.
Segundo Júlia Kronemberger – Coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CETP-RJ) e da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE-RJ), o trabalho escravo doméstico também está em destaque no Rio de Janeiro.
- A maioria dos casos atendidos no estado do Rio de Janeiro refere-se a situações de tráfico interno de pessoas e trabalho escravo urbano. A maioria desses trabalhadores são migrantes internos ou imigrantes. Há um destaque no ano de 2021 e 2022 para casos de trabalho escravo doméstico no Rio de Janeiro. Nesse ano de 2022 estamos acompanhando 3 casos nessa situação.
Os principais canais de denúncia de trabalho escravo são o disque 100, o site do MPT e o aplicativo MPT Pardal.
Reportagem de André Lucas Lima
Comments