Jongo da Serrinha reconecta praticantes com suas raízes
- Ana Carolina Collodo
- 17 de jun. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de jul. de 2022
O estudante Fábio de Souza é jongueiro (praticante do jongo) no centro cultural do Jongo da Serrinha e vê no jongo uma forma de resgatar suas origens africanas, já a comerciante Mariana Oliveira dança como forma de demonstrar resistência cultural por conta do racismo.
Casa do Jongo da Serrinha em Madureira

Foto: Ana Carolina Collodo
O jongo é confundido com apenas mais um tipo de dança, mas os jongueiros presentes no jongo na casa do Jongo da Serrinha, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro garantem que se trata de um estilo de vida. Por meio dos relatos, podemos concluir que o jongo é a reconexão de muitas pessoas com as suas raízes. A dança de matriz africana reúne tambor, saias coloridas, cantigas e muita alergia.
Fábio de Souza, estudante e jongueiro, relata que começou a participar dos encontros de jongo no final de 2018. Ele conta que a trajetória dele com a prática de matriz africana foi “amor à primeira vista”. Fábio, durante a entrevista, repetiu diversas vezes o quanto essa expressão o conecta com as suas raízes, como uma forma de resgate da descendência dele. Ele demonstra muita gratidão ao Jongo da Serrinha por despertar esse sentimento de pertencimento. Por fim, Fábio se declara e encerra dizendo que o Jongo é uma das atividades mais importantes para ele.
- É uma forma que a gente tem de manter a nossa cultura, manter a nossa história viva, né? - Fábio de Souza
Por outro lado, Mariana Oliveira, diz que o Jongo sofre racismo por ser uma expressão de origem africana. A comerciante residente do Complexo da Maré contou em entrevista sobre o sentimento de sofrer racismo não somente no dia-a-dia, por ser uma mulher negra, como também por meio de expressões da arte e cultura afrodescendentes. Para ela, a manifestação de qualquer movimento que seja oriundo de pessoas negras sofre racismo e é boicotado. Ela deu o exemplo das religiões de matrizes africanas, que são demonizadas diariamente e sofrem atentados. Ela encerra dizendo que as políticas brasileiras são feitas para que o Brasil se mantenha dessa forma (racista).
- O Brasil é um país que odeia preto. Qualquer manifestação de origem africana vai sofrer preconceito. Na verdade, nem é preconceito, não. É racismo mesmo! A gente costuma dizer preconceito religioso, não é preconceito, é racismo religioso, por que é a partir da cor da pele. - Mariana Oliveira
A professora Luisa Marmelo, integrante do jongo da Serrinha há mais de 30 anos, disse em entrevista sobre a casa do Jongo da Serrinha, que, segundo ela, é um dos lugares mais conceituados da prática da dança. Ela conta que a aula é dividida em três partes. A primeira delas é aprender a tocar o tambor, são toques e ritmos diferentes. Em seguida, as professoras ensinam a turma a cantar as cantigas da dança. Elas falam uma vez e todos repetem. Por fim, todos se jogam na dança e se divertem muito.
Prática do jongo

Foto: Ana Carolina Collodo
Em um momento de reflexão, a professora Luisa disse que o Jongo abraça todas as religiões e que qualquer pessoa pode aprender o Jongo. Ela acredita que o Jongo está acima do sincretismo.
- Ele abraça as pessoas, ele chama as pessoas. O tambor chama. Desde que eu me entendo por gente, a gente, quando antes de nascer, já escuta o tambor, que é o coração da nossa mãe. - Professora Luisa Marmelo
O jongo é considerado patrimônio cultural do Brasil. O centro cultural do Jongo da Serrinha tem cerca de 2 mil metros quadrados aos pés do Morro da Serrinha, em Madureira, zona norte do Rio. A prefeitura reformou um galpão abandonado e o transformou na Casa do Jongo que conta com vários tipos de atividades. Além de um salão para dança, também tem auditório, estúdios, salas para cursos profissionalizantes, espaço para exposições permanentes, cineclube, horta comunitária, local para orações, terreiro para jongo e capoeira, além de lojas e refeitório.
A ONG que cuida da casa do Jongo da Serrinha objetiva permanecer oferecendo oficinas gratuitas para em média 80 crianças e jovens da comunidade de Madureira. Dentre elas são oferecidas aulas de canto, instrumento de cordas, cultura popular, jongo, percussão, memória e artes.
O jongo chegou ao Brasil juntamente os escravos africanos de nacionalidade bantu, vindos do Congo e de Angola. Foi conservado e passado adiante pelos escravos que trabalhavam nas lavouras de café e cana-de-açúcar no vale do Rio Paraíba, entre São Paulo e Minas Gerais. Os escravos tinham permissão dos senhores para manifestar o jongo como forma de distração em meio ao trabalho.
O jongo era feito no terreiro de terra batida, a fogueira era acesa e as pessoas se reuniam e formavam um círculo. A negra mais idosa se benzia nos tambores sagrados, pedindo licença aos pretos-velhos para começar o jongo. Improvisava um verso, cantando o ponto de início. Os outros escravos presentes respondiam, cantando alto e batendo palmas. Essa sequência é, inclusive, muito similar ao que ainda é feito no Jongo da Serrinha atualmente. Um par ia para o meio do círculo e começava a dançar. Um aspecto interessante é que os jongueiros tinham um dialeto original por conta da inversão que faziam das palavras, e assim se comunicavam entre si por meio dos pontos de jongo, como um idioma cifrado. Assim, os escravos se comunicavam com mensagens secretas, em que protestavam oposto a escravidão, zombavam dos patrões, publicamente, combinavam festas de tambor e fugas.
Outro elemento crucial na manifestação do jongo é o bater dos tambores. Segundo a tradição e crença destes escravos, os tambores eram sagrados e tinham o poder de fazer a passagem com o sobrenatural, com os antepassados. Portanto, segundo a lenda, quem recebia um ponto misterioso, tinha que decifrá-lo na hora e retribuir – desatar o ponto. Caso contrário, ficava “enfeitiçado” ou “amarrado”.
Aula de tambores

Foto: Ana Carolina Collodo
Antes da manifestação, os jongueiros se benziam, tocando delicadamente no couro do tambor em sinal de reverência. O jongo é uma dança dos ancestrais, dos pretos-velhos escravos, que remete ao povo da escravidão.
Reportagem de Ana Carolina Collodo
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